Brasília, 26 de abril de 2009.
Meu pai abraçou a fé evangélica, ainda muito jovem, numa Assembleia de Deus no Sul da Bahia. Rapidamente adquiriu um profundo conhecimento da Bíblia e demonstrou ter um pendor para a pregação do Evangelho fora do comum. Após realizar um intenso trabalho de evangelização pelo interior do estado, veio para a capital, Salvador, e foi ordenado pastor ainda solteiro. Casou-se com a secretária da igreja, Nilza Silva, e dessa união vieram dez filhos, dos quais eu sou o primogênito. Tudo isso significa que eu vivo no meio assembleiano desde que fui concebido. Há sessenta anos.
Nos meus tempos de criança, filho de crente não podia tocar numa bola nem com as mãos (ainda existem Assembleias de Deus que mantém esse costume). Assistir a jogo de futebol era proibido, mesmo que fosse uma “pelada” de fundo de quintal. Ouvi falar de pessoas que foram excluídas (excluídas mesmo) porque ousaram ouvir algum programa de rádio. No final da minha infância vi gente ser excluída, agora por causa do uso do televisor (ainda existem Assembleias de Deus em que os membros são proibidos de ter aparelho de televisão).
Lembro-me do tempo em que era proibido assoviar, mesmo que fosse a melodia de uma canção sacra “na Bíblia assovio é sinônimo de maldição, diziam”. Quando minha família transferiu-se para Goiás, em 1957, membro da igreja que tomasse refrigerante era pesadamente disciplinado. Noivas não se casavam usando véu, nenhum varão podia ser encontrado na rua sem estar usando chapéu, mulher não depilava as pernas, nem as axilas (em muitas igrejas essa “doutrina”) perdurou até a década de 1970, o vinho da Ceia era distribuído em copos, chamado de “cálice único”, que passava de boca em boca até que se esgotasse, e havia tantas e tantas “doutrinas” desse tipo.
Mas eu não considero os meus antepassados como hereges nem aquelas práticas como nocivas. Por incrível que pareça, aquilo tudo teve o seu valor, de uma forma ou de outra. As pessoas se submetiam ao que seus pastores ensinavam (mandavam?) porque estavam possuídas por certo tipo de fé. Era uma expressão de desapego a este mundo e de muito, muito, compromisso com as coisas de Deus. Atrevo-me a dizer que, se as Assembleias de Deus não tivessem sido como foram elas não teriam crescido tanto e tão rapidamente. Veja só: por não gastarem tempo ouvindo rádio, assistindo televisão ou jogando bola, os crentes tinham mais tempo para estar na igreja. Até ao final da minha juventude, eu considerava inconcebível um crente ficar em casa à noite ou no final de semana, se houvesse qualquer atividade de sua congregação, no templo ou em qualquer outro lugar.
Mas eu sei que os tempos são outros, que a sociedade brasileira é muito diferente do que era há poucas décadas atrás e que, se mantivéssemos o mesmo estilo de vida que tínhamos antigamente, viveríamos como seres alienígenas e não poderíamos “salgar” o meio em que vivemos, já que nunca nos integraríamos a ele. Muito menos poderíamos evangelizar adequadamente o mundo se desprezássemos o uso dos modernos meios de comunicação.
Desde a última segunda-feira até ontem a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) esteve reunida, em Assembleia Geral Ordinária, na cidade de Vitória, capital do estado do Espírito Santo. Na quinta houve eleições para preenchimento dos cargos da Mesa Diretora. Foi um momento de grande tensão, já que havia uma forte polarização entre dois candidatos à Presidência, sendo que um representava certo conservadorismo e o outro trazia uma postura mais moderna, mais contextualizada.
Lamentavelmente, a nosso ver, o resultado das eleições manteve a postura retrógada, defasada com a realidade do nosso tempo, em nome de uma santidade que não tem nenhum fundamento bíblico. De qualquer forma, devemos orar pela liderança re-re-re…eleita, esperando que, de alguma forma, ela possa conduzir nossa denominação no rumo do aperfeiçoamento e de um real crescimento.