Brasília, 25 de abril de 2004.
Era uma vez uma moça chamada Boboca. Boboca era até bonitinha, mas nunca teve um namorado, pela simples razão de que no seu tempo as moças não tinham o direito de amar a nenhum homem que não fosse escolhido por seu pai ou por seus irmãos. Além do mais ela vivia numa cidade do interior e não havia por ali nenhum pretendente que fosse compatível com os princípios religiosos e com a condição socialmente elevada de sua família. Boboca vivia muito revoltada com tudo isso.
Boboca vivia também amargurada em consequência da condição humilhante que o fato de ser mulher lhe impunha. Somente os homens podiam dedicar-se as atividades criativas, desafiadoras, dignas, enfim. Às senhoras e senhoritas cabiam as tarefas monótonas do lar. Uma das coisas que mais a irritavam era ter que ir ao poço buscar água. Ô coisa chata: apanhar o cântaro, pô-lo no ombro, caminhar por trilhas irregulares e poeirentas, descer o barranco, encher o cântaro, fazer um esforço enorme para levantá-lo, água derramando para todo o lado, desarrumando o cabelo, transformando poeira em barro escorregadio que, ainda por cima, respinga nas pernas, penetra por entre os artelhos…arre!
Certo dia Boboca amanheceu especialmente mal humorada. Tivera um desentendimento com a mãe na véspera, não havia ceado direito, a cama estava quebrada, mas a discussão que tivera com a mãe não à deixou a vontade para pedir ajuda. Dormiu mal. Acordou cedo com os latidos dos cães que pareciam brigar entre si ou eram atacados por outros animais. Saiu do quarto com cara de onça enfezada e, nas horas que se seguiram, tudo parecia dar errado.
Chegou a hora de ir buscar água. Foi a caminhada mais desagradável que deu em toda a sua vida. Quando se aproximou do poço, notou que havia forasteiros por lá. Percebeu que se tratava de um grupo de homens com vários camelos. “Só faltava essa. A área em volta do poço vai estar toda bagunçada. Além do mais, vou ter que esperar que eles liberem o local para que eu possa realizar meu trabalho. É hoje está dando tudo errado pra mim”.
Para a surpresa de Boboca não havia ninguém tirando água do poço e tudo estava em ordem por lá. “Eles estão tramando alguma coisa. O que será? Pensou ela. Desceu, encheu o cântaro, molhou-se, sujou-se e subiu”.
– Boa tarde moça. Falou o homem que parecia ser o chefe do grupo.
– Boa tarde respondeu ela com voz quase inaudível.
– A senhorita poderia dar-me um pouco da água do seu cântaro? Perguntou o mesmo homem.
Ora, só faltava aquela, ele não era aleijado. Parecia desfrutar de boa saúde. Era melhor que ele fosse explorar a vovozinha dele.
– Não Senhor. Eu estou com pressa. Além do mais, há água a vontade para quem estiver disposto a tirá-la. Sirva-se. Passe bem.
Assim, Boboca se afastou, sem saber que acabara de jogar fora uma boa amizade, vários presentes em forma de joias e a grande oportunidade de ter um excelente casamento.
Boboca é um personagem que eu inventei. Existe uma moça cuja história é real e se chamava Rebeca. Os detalhes do casamento de Rebeca estão no capítulo 24 do livro de Gênesis. Compare aquela história com a minha e chegue, como eu, à seguinte conclusão: Mau humor prejudica a saúde e faz perder grandes oportunidades na vida.