I. A confissão de uma dívida e sua cobrança por escrito
No Brasil, há uma parte das Assembleias de Deus que é popularmente referenciada como sendo “da missão”. Provavelmente isto se deve ao desejo de se caracterizar o grupo em questão como sendo mais diretamente ligado à obra missionária realizada em nosso país a partir do início deste século.
À parte de qualquer consideração sobre a validade da referida expressão como caracterizadora de um grupo de “assembleianos”, a verdade é que todos nós evangélicos brasileiros e de forma muito particular, nós da Assembleia de Deus somos devedores à obra missionária.
Somente os judeus da era primitiva da Igreja não dependeram de evangelistas de outras nações para receberem as Boas Novas. Porém, essas que poderiam ser as únicas pessoas independentes de missionários estrangeiros, estariam irremediavelmente condenadas por antecipação, caso o maior missionário de todos os tempos não tivesse vindo ao seu encontro. Se o apóstolo Paulo que disse ter sido instruído diretamente por Jesus (Gl 1.11-12) declarou-se devedor tanto “a gregos, como a bárbaros” (Rm 1.14), que dizer de nós tão distantes geográfica e culturalmente dos centros primitivos de evangelismo?
A consciência e o senso de responsabilidade de qualquer cristão convicto o levarão a admitir uma enorme dívida que não se paga enviando dinheiro às igrejas que nos evangelizaram. Uma dívida que só se paga enviando missionários para outras nações.
Nossa dívida para com a obra missionária deve estar escrita em nosso coração e em nossa consciência. Mas se nós a apagarmos daí, não podemos apagar da Bíblia. Eis o que a Bíblia ensina sobre a obra missionária:
1. A obra missionária está no coração de Deus, na eternidade, nas épocas remotas, recentes, atuais e futuras – Mt 25.34, Dt 33.3, Sl 2.8, Sl 22.27-31, Sl 65.5, Sl 67.2, Mt 28.18-20, Jo 3.16;
2. Ao encarregar-nos da obra missionária, o Senhor não nos fez uma sugestão, Ele nos deu uma ordem – Mc 16.15-16;
3. Onde o poder do Espírito Santo for derramado e tiver liberdade para operar haverá preocupação com o evangelismo em todos os níveis – At 1.8;
4. Quem possuir uma visão espiritual sadia enxergará o mundo todo como campo de ação para a Igreja – Jo 4.35, Mt 13.38;
II. O grito de alerta para uma tomada de consciência
1. A eloquência dos números que refletem a condição do mundo de hoje em relação ao evangelismo
O trabalho “UNREACHED PEOPLES OF THE WORLD” de autoria de Ralph D. Winter e D. Bruce Graham apresenta um contingente de 16.750 nações ou povos constituídos de cerca de 2 bilhões e 300 mil indivíduos, falando cerca de 5.000 idiomas, formando o que se chama de “povos não alcançados” isto é grupos que permanecem sem igrejas ou qualquer obra missionária significante procurando alcançá-los. O mesmo trabalho, apresentando estatísticas de 1983, mostra a dura realidade da existência de mais de um bilhão e meio de outros tipos de não cristãos e cristãos nominais.
2. A estridência do avanço das religiões não cristãs
A enorme multidão que cobre a terra hoje sedenta como está, tentará mitigar sua sede com qualquer coisa que se lhe oferecer. A notável liberdade religiosa existente em muitos países ou o próprio poder dos modernos meios de comunicação favorecerão a que lhes cheguem às mãos muitos “produtos” para que sejam experimentados. E é o que tem acontecido. Não é sem razão que o islamismo tem se expandido tanto, mesmo nos países ocidentais; se não oferecermos, com a intensidade devida, a cristalina água, viva, é que as pessoas estão bebendo sobriamente tantos cultos exóticos que têm aparecido; muitas pessoas que têm abraçado os cultos africanos teriam abraçado a Cristo se tivessem tido oportunidade.
Como poderão dormir nossas consciências quando é tão evidente o grito das religiões sem Cristo e seu assalto à nossa geração?
3. A solene expressão da vontade de Deus para este tempo
É chegado o dia da salvação! A porta da salvação se abriu para os gentios desde o dia em que Pedro visitou a casa de Cornélio há dezenove séculos (atos capítulo 10) e por todos estes anos, se cumpre a promessa de Isaías 49.6. Mas, dentro deste período singular da História, os dias de hoje têm ainda uma posição mais especial.
Para a igreja dos dias do arrebatamento o Ressuscitado prometeu: “Eis que diante de ti pus uma porta aberta” Ap. 3:8. Que porta seria esta? Certamente a porta do progresso inigualável do evangelismo. Além da porta do céu, que outra porta poderia oferecer oportunidade de regozijo especial para a noiva, senão a porta que lhe desse a oportunidade de exercer seu amor ao Redentor envolvendo com esse amor o maior número possível de preciosas almas?
As oportunidades que a igreja tem para evangelizar neste tempo do fim não tem paralelo em nenhuma outra época. Estas oportunidades, falamos que Deus deseja que façamos missões hoje como nunca.
A igreja batizada com o Espírito Santo marchou com uma bandeira cujo centro estava as palavras do profeta Joel “nos últimos dias…”. dos céus uma luz se refletia sobre aquelas palavras e as faziam brilhar intensamente. Esta luz foi o vínculo que Jesus estabeleceu entre o derramamento do poder e a expansão da obra evangelizadora em todo o mundo: ”mas recebereis…” At 1.8.
O Espírito de Deus tem sido derramado nestes “últimos dias” e seu fluxo sido derramado à medida que formos nos acercando da hora final. Esta unção especial será o combustível que nos levará aos mais distantes rincões do mundo com a mensagem salvadora. É esta a boa, perfeita e agradável vontade de Deus.
III. A preterição de uma “prioridade” e suas causas
Diz o novo dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.
Prioridade – Sf. 1. Qualidade do que está em primeiro lugar, ou que aparece primeiro; primazia. 2. Preferência dada a alguém relativamente ao tempo de realização de seu direito com preterição de outros. 3. Qualidade de uma coisa que é posta em primeiro lugar, numa série ou ordem.
A definição acima fala por si mesma. Se a quisermos ilustrar podemos recorrer À Bíblia e à própria vida de nosso Salvador. Veja-se no evangelho segundo o apóstolo João, no capítulo de número quatro. Entre, alimentar-se fisicamente (e já devia ser bem mais de meio dia!) e anunciar a salvação aos samaritanos, Jesus manteve a prioridade da segunda opção. A fidelidade do Mestre à sua escala de prioridades fê-lo superar uma série de barreiras em relação aos samaritanos.
Podemos falar com sinceridade que a obra missionária tem sido uma prioridade para nós? É possível que alguém se atreva a dizer que sim. Outros dirão que é impossível estabelecer tal prioridade em face dos reais obstáculos ao seu cumprimento. Sim, os obstáculos existem e para nós brasileiros, alguns deles se tornam especialmente graves. Simplesmente fingir que eles não existem seria uma atitude inconsequente. É necessário reconhecê-los, avaliar sua exata dimensão, nos preparar devidamente e enfrentá-los. Desviar-se de Jericó para enfrentar primeiro as cidades menos fortificadas ou aguardar até que Jericó desaparecesse por si mesma é o que muitos de nós faríamos se fôssemos Josué.
Quais são os muros de “nossa Jericó“?
a. Barreiras governamentais na área de imigrações, restrições legais à remessa de dinheiro para o exterior e ao estabelecimento de igrejas evangélicas;
b. A dura realidade de um Brasil com extensas áreas sem o Evangelho, cuja evangelização nos parece mais urgente, menos complicada e menos dispendiosa;
c. A fraqueza de nossa moeda e a timidez de nossas entradas financeiras;
d. O despreparo de missionários e falta de estrutura das igrejas que os tem enviado, resultando em fracassos e até em escândalos;
e. A força dos argumentos em favor de que?
O mundo de hoje está dividido em duas partes: nações ricas e nações pobres. O Brasil está entre as nações pobres, que são maioria. Isso que é, à primeira vista, um fator negativo, torna-se algo altamente positivo se levarmos em conta que a nossa identificação com elas nos favorece a penetração na maior parte das nações da terra. O Brasil é um país simpático aos olhos de quase todos os países do mundo.
A diversidade de climas e a miscigenação de raças existentes aqui fazem com que tenhamos brasileiros adaptáveis a todas as regiões da terra. Temos brasileiros iguaizinhos aos japoneses, africanos, indianos, alemães, etc. é claro que Deus tem um propósito em tudo isto.
A vontade de Deus é que o Brasil exporte o Evangelho e não o carnaval. A vontade de Deus é que o Brasil leve a outras nações o poder do Espírito Santo, e não os cultos africanos que nenhum benefício trouxe aos seus países de origem e muito menos para nós. A vontade de Deus se cumprirá quando orarmos com sinceridade: “Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”.
4. O inquietante jorro de luz da relação da vontade de Deus para o Brasil
O desencadeamento da obra pentecostal no Brasil não foi uma coisa ordinária. Como considerar comum a vinda de dois homens para evangelizar uma região da qual nunca tinham ouvido falar antes? Como não parar para refletir o fato de que vieram para um país cuja língua não falavam? (e não trouxeram intérprete). Como nãop sentir um tremor por dentro ao saber que vieram para uma terra tão estranha e tão distante sem terem dinheiro? E como não admitir que Deus tem um propósito especial em tudo isto ao verificar que contrariando todas as expectativas do raciocínio humano, esta obra prosperou mais que qualquer outra nesta Pátria?
A salvação de qualquer ser humano é um milagre. Os abençoados pela salvação como consequência da obra pentecostal no Brasil são beneficiários de um milagre duplo. Para quê? Para fecharem os olhos diante das necessidades espirituais do mundo de seu tempo?
O Brasil é um país singular não apenas na forma como se originou sua vocação missionária. Ele é um país ímpar na maneira como foi preparado para ser a maior nação missionária do nosso tempo, deixe a tarefa a outros melhor capacitados que nós.
Eis os muros. Se derrubá-los é uma prioridade para nós, não atacaremos outro alvo enquanto não os virmos ultrapassados. Mas esperar que Deus os derrube sem nossa cooperação é antibíblico.
IV. Apressando-se ao despojo, apressou-se à presa.
O título acima foi tomado de Is. 8.1 e seu sentido é o seguinte: alguém tinha tanta certeza da vitória que seu entusiasmo fez com que o adversário escapasse. Que, em certo sentido isso se aplique a nós. Que as barreiras apresentadas na seção anterior, longe de nos levar ao desânimo, faça com que nos preparemos para uma obra missionária triunfante.
A modesta experiência deste expositor no trato com a obra missionária deu-lhe uma visão prática dos problemas e oportunidade para reflexão a cerca das possíveis estratégias para enfrentá-los.
Eis algumas atitudes e ações que, a nosso ver, merecem ser examinadas:
1. É necessária melhor articulação com entidades missionárias instaladas em nosso país. Algumas dessas entidades têm muito que nos ensinar sobre o preparo de vidas para a obra missionária. Além disso, relacionam-se com organismos missionários de outras nações que podem dar-nos suporte em questão como obtenção de vistos de entrada em países e remessa de dinheiro para o exterior.
2. É preciso dar sentido mais prático à secretaria de missões de nossa convenção geral. Com o devido apoio financeiro (além do apoio moral e espiritual) essa secretaria pode fazer muito na orientação de igrejas e missionários sobre processos burocráticos a serem cumpridos em nosso país, para a saída, e nos países estrangeiros, para a instalação de missionários.
Se a secretaria de missões realmente representar nossa denominação na área que lhe compete, poderá ser nosso elemento de contato com as autoridades do país, inclusive opinando no estabelecimento de políticas que nos afetem, e terá força para fazê-lo.
A secretaria de missões coordenando envio de dinheiro para missionários no exterior poderá tornar a execução desta tarefa muito mais eficiente do que quando executada por igrejas individuais.
3. É preciso dar mais ênfase ao fato de que se uma igreja não pode sustentar sozinha uma família de missionários no exterior pode, contudo associar-se a outras igrejas (por exemplo, igrejas de uma mesma convenção regional) e fazê-lo.
4. É necessário lembrarmo-nos de que o apóstolo Paulo, um dos missionários mais eficientes de todos os tempos, em algumas fases de sua vida trabalhava em atividades seculares enquanto cumpria sua missão evangelística. Ref. At 18.3, I Ts 2.9.
Há alguns países em que a proibição à entrada de missionários como tal é absoluta, mas não há restrições À entrada de técnicos.
É perfeitamente válido o investimento por 4,5 anos na formação técnico secular de alguém com vistas à obra missionária. Se for difícil achar algum técnico com chamada missionária, façamos investimento para tornar quem tem chamada missionária em técnico. O investimento terá retorno certo (no céu).
5. É necessário dar maior oportunidade a quem tem chamada missionária para adquirir experiência ministerial.
Se estivermos enviando alguém para fundar e consolidar igrejas, como esperar, que ele seja bem sucedido se nunca pastoreou nem mesmo uma minúscula congregação?
6. É necessário dar maior ênfase à formação do caráter do missionário como indivíduo, como esposo e pai. Temos tido muitos problemas por ignorar isso.
7. É necessário ter o coração aberto para outras atividades missionárias diferentes do estabelecimento de igrejas, a curto ou médio prazo.
Há certas atividades missionárias, como por exemplo, o envio de Bíblias para países carentes, que oferecem excelente opção para um engajamento na obra missionária imediatamente. É preciso valorizar estas atividades e estimulá-los.
Na agricultura existem plantas cuja colheita pode ocorrer poucos meses após a semeadura. Há outras que só dão frutos depois de muitos anos. Na obra missionária ocorre o mesmo. Há certos setores da obra missionária que exigem um demorado preparo antes da viagem e muita paciência após a instalação do missionário no campo. Ao contrário do que está ocorrendo hoje, é necessário que se dê maior atenção exatamente à busca das almas que estão nos lugares mais inacessíveis. Vai dar muito trabalho e demorar, então que comecemos logo. A obra missionária tem tempo marcado para acabar!